Podemos produzir no Brasil o que o Mundo quer consumir?

Por Dra. Liliane Suguisawa e Msc. Fernanda Midori Sato

Publicado em 12/08/2020

Durante muitos anos, produzir carne significava apenas produzir um alimento. Porém, o mundo está em constante mudança devido à acessibilidade da tecnologia e informação, e assim uma “nova consciência” vem surgindo e trazendo a tona pessoas sensibilizadas com saúde humana, segurança alimentar, meio ambiente, bem estar animal, responsabilidade social, nutrição saudável e longevidade.

Dessa forma, produzir boi vem ganhando um significado muito maior do que apenas produzir qualquer carne e isso pode ser observado principalmente nos países mais desenvolvidos, onde os consumidores buscam e valorizam carne produzida no seu habitat natural (GrassFED), que vem ganhando cada vez mais espaço nas gôndolas dos supermercados.

Além de “ecofriendly”, a produção de bovinos pensando no bem-estar animal e ambiente sustentável trás também benefícios à saúde humana, já que esta carne, além de ser mais saborosa, é mais saudável do que a produzida em confinamento devido ao seu perfil de ácidos graxos: bom equilíbrio na proporção de ômega 6 e ômega 3 (razão de Ω 6 / Ω3 abaixo de 4 - OMS) e maior quantidade de CLA (2 a 3 vezes maior que de animais alimentados com grãos). É sabido que o desequilíbrio dos ômegas leva a inflamações que causam doenças cardíacas, diabetes, Alzheimer e câncer, e que o CLA (ácido linolênico conjugado) possui propriedades anticarginogênica, antioxidante, imunoestimulatória e previne o diabetes.

Pelo GrassFED compreender a criação de bovinos predominantemente no pasto com possibilidade de terminação em confinamento (até 100 dias), toda pecuária brasileira apresenta aptidão natural para este sistema produtivo. Ainda, por apresentar 66% das áreas de florestas preservadas, o Brasil situa-se na confortável classificação global de pecuária sustentável.

Em um mundo “savingthegreen” onde já existe demanda significativa para carne vegetal, a carne GrassFED, por muitos desacreditada, traduz-se hoje em uma robusta oportunidade mercadológica para o rebanho brasileiro de 214,69 milhões de cabeças de bovinos.

É inegável a grandiosidade do Brasil na produção e consumo de carne bovina, estando atrás apenas dos EUA no ranking mundial de produção (10,96 x 12,28 milhões de toneladas, respectivamente), onde 80% desta abastece o mercado interno. Segundo a ABIEC, a produção de carne no Brasil em 2018 cresceu 12,8% em relação a 2017, abatendo 44,23 milhões de cabeças de gado com rendimento médio de carcaça entre 51,3% e 54,3% e peso de carcaça de 250 kg.

No entanto, para oferta consistente de carne de qualidade há premissas biológicas fundamentais: abate de animais jovens (até 30 meses de idade) e acabamento de gordura uniforme (Espessura de Gordura Subcutânea acima de 7 mm), evitando assim a formação de pontes cruzadas de colágeno e “cold-shortenning”. Entretanto, ao analisar os abates 2018 da maior Indústria Frigorífica do Brasil (JBS Friboi), observamos que 37% eram animais jovens e apenas 2% possuíam EGSuniforme (Figura 1),sendo esta a razão da carne produzida no Brasil ser classificada como commodities nos padrões internacionais, pois apesar de competitiva pela escala e baixo custo de produção,não possui valor agregado na exportação por sérios comprometimentos na maciez.

A importância da maciez da carne bovina para mercados de valor agregado é absoluta, pois é cerne da decisão de recompra do consumidor. Embora a maciez seja característica de herdabilidade moderada a alta, de nada adianta tecnologias avançadas tais como seleção genômica ou sistema GrassFED se o sistema produtivo não possibilitar abate até a idade limite com EGS, pois o produto final carne será duro. Quanto pior a qualidade da carne bovina, mais provável a migração do consumidor para carnes baratas e padronizadas como de suínos e aves.

Após o atendimento dos limites biológicos, a palatabilidade, determinada pelo marmoreio (MAR),é outro fator que influencia em muito a qualidade da carne bovina,pois quanto o maior o marmoreio da carne (%), maior o grau de satisfação do consumidor (Figura 2),sendo este critério de valor agregado de animais jovens abatidos nos EUA, Canadá, Austrália e Japão.

O grau de marmoreio é medida objetiva da gordura entremeada entre as fibras da carne (escala de 0 a 10%) dos animais vivos, através da ultrassonografia Software BIA, ou das carcaças, por máquina dentro da indústria norte americana. Já é descrito que o aumento de 1% para 3.5% do marmoreio da carne proporciona o máximo aumento da palatabilidade via marmoreio (Figura 3). As boutiques de carne gourmet buscam carnes com marmoreio acima de 4% (Carne Choice EUA) para a venda garantida de maciez sensorial e suculência da carne aos seus clientes.

Assim como a maciez, o marmoreio é também característica de herdabilidade moderada a alta estando relacionada a raças específicas. A carne da raça Angus, base da produção de carne nos EUA, é mundialmente famosa e apreciada pela sua qualidade. O mapeamento do rebanho norte-americano com mensurações objetivas por ultrassonografia de carcaça e carne (AOL, EGS e MAR) e a remuneração individual / carcaça produzida pelo Sistema Nacional de Classificação e Tipificação / USDA (AOL, EGS e MAR) na indústria frigorífica, possibilitou foco único para produtividade (AOL) e qualidade (MAR), conferindo peso de carcaça de 365 kge 80% de frequência de Carne Choice (MAR acima de 4%) em animais abatidos até 30 meses de idade como resultado dos 25 anos de uso da tecnologia (Figura 4).

O programa de melhoramento genético dos EUA é exemplo real de que é possível selecionar e produzir carne de qualidade atendendo aos interesses de toda a cadeia de produção: Produtor – Indústria –Consumidor.

A mesma tecnologia de ultrassonografia de carcaça utilizada pelos americanos desde 1995 está disponível como ferramenta de mapeamento dos rebanhos na América do Sul desde 2006 (Software BIA), mas dado a poucas DEP com este foco nos diversos programas de melhoramento genético da raça Nelore e da inexistência de Sistema Nacional de Classificação e Tipificação dentro da indústria frigorífica, a adesão ainda ocorre a passos lentos.

Se a base zebuína apresentasse alta frequência para características de carcaça (AOL, EGS), resultados positivos quanto ao abate de animais jovens e rendimento de carcaça seriam diferentes, garantindo ao Brasil a produção de carne macia e de valor agregado.

E ainda, como o nosso rebanho bovino, majoritariamente Nelore, foi selecionado historicamente para sobrevivência e atualmente para desempenho, somente 10-15% da população apresenta marmoreio acima de 3%, comprometendo a palatablidade da carne quando consumida grelhada. Embora as características de carcaça e carne (AOL, EGS e MAR) sejam de herdabilidade moderada a alta (Figura 5), esse cenário de produzir com qualidade ainda permanece distante no Brasil.

Para mudar este contexto, os primeiros trabalhos nos rebanhos de seleção basearam-se em identificar indivíduos que apresentassem superioridade através do mapeamento e seleção genética. Leilões de Touros Nelore PO que atendam, não somente as tradicionais características de desempenho, raça, avaliação genética (DEP) mas também fossem superiores as características Software BIA com MAR (mínimo de 3%) – Leilões Nelore Best Beef / São Paulo (2 edições) e Marmoreio / Mato Grosso (3 edições) foram promovidos para que o uso destes Touros selecionados (menos de 15% do raça Nelore) pudessem impactar positivamente na produção e qualidade da carne do rebanho comercial.

Dada à baixa frequência do Marmoreio na população Nelore e a alta herdabilidade da característica, o grande paradigma foi: “Será que Touros Nelores positivos Software BIA resultariam na produção de carne de qualidade dentro da indústria frigorífica?”. Dessa forma, iniciou-se assim a produção comercial de Nelore com Marmoreio. Novilhas Nelore comerciais, progênies de Touros positivos (MAR acima de 3%),mapeadas por Software BIA, suplementadas a pasto (1% Peso Vivo),foram abatidas até 30 meses de idade com EGS uniforme.

Exemplos comerciais destes produtos exclusivos são: Projeto Nelore do Golias, 100% da produção verticalizada a São Paulo e Linha Reserva do Celeiro Carnes Especiais, um Nelore de melhor qualidade fundamentado no sabor intenso, suculência, maciez no MT. Ambos produtos de remuneração diferenciada dado a exclusividade e qualidade.

Para o Brasil de 214,69 milhões de cabeças, criação majoritariamente a pasto, cujo marmoreio médio é inexistente (1.5%), estes resultados comprovam que com o uso da seleção Software BIA aliado a aparas de arestas na nutrição, sanidade, manejo e bem estar irá resultar em uma nova carne brasileira. Hoje a carne gourmet já vem sendo popularizada pelos especialistas em churrasco dado a maciez na grelha.

As carnes produzidas pelo Nelore do Golias e pelo Celeiro Carnes Especiais são parte do nicho do mercado da carne gourmet com diferencial de ser produzida com tecnologia exclusivamente a pasto (GrassFED). A decisão de posicionar o Brasil como produtor de carne de qualidade atendendo aos interesses de toda a cadeia Produtor – Indústria – Consumidor é questão de tempo. Foco, tecnologia e muito trabalho são as etapas mais importantes deste processo de abastecimento do mundo com qualidade da carne GrassFEDmade in Brazil.

Para tanto mais de 80 Selecionadores de Nelore PO de toda a América do Sul se uniram na Confraria da Carcaça Nelore, onde se reúnem periodicamente e discutem resultados positivos quanto a esta seleção, promovem eventos (Dias de Campos e Leilões de Touros) com degustação da carne de Nelore marmorizado para conscientizar as pessoas sobre o potencial da raça no atendimento do mercado de carne de qualidade (Figura 8).

Este movimento também gera oportunidades de comercialização de Novilhas e Doadoras Nelore PO, destaques Software BIA para plantéis de seleção focados na multiplicação de Touros Nelores positivos, já que o primeiro passo da mudança da carne commodities para qualidade passa pelo uso destes Touros, cuja demanda será proporcional ao tamanho do nosso rebanho, para que em futuro próximo 100% das nossas matrizes comerciais sejam fábricas de carne com eficiência e maciez.

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